Nova lei de licitações e reflexos no âmbito trabalhista

Em 01 de abril de 2021 foi publicada a Lei nº 14.133, que estabelece normas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme disposição do artigo 1º.
As normas gerais abrangem os órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, dos Estados e do Distrito Federal e os órgãos do Poder Legislativo dos Municípios, quando no desempenho de função administrativa.
Também estão englobados na norma os fundos especiais e as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela Administração Pública.
É importante mencionar, com exceção do artigo 178, que trata dos crimes em licitações e contratos administrativos, que a norma não se aplicará às empresas públicas, as sociedades de economia mista e as suas subsidiárias, pois são regidas pela Lei nº 13.303/16.
Na data da publicação, foram revogados os artigos 89 a 108 previstos na Lei nº 8.666/93, sendo estabelecido, ainda, que as Leis nº 8.666/93, 10.520/02 e os artigos 1º a 47-A da Lei nº 12.462/11 serão revogados após decorrer o período de 2 anos da publicação oficial.
Além das mudanças citadas, certas alterações geraram relevantes reflexos no âmbito trabalhista, conforme segue.
De acordo com o artigo 121, foi estabelecido que somente o contratado será responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais decorrentes da execução do contrato, não sendo possível transferência destas responsabilidades à Administração em hipótese de inadimplemento do contratado.
Em eventual descumprimento dos citados encargos pelo contratado, também não será cabível onerar o objeto do contrato, nem restringir a regularização e o uso das obras e das edificações, inclusive perante o registro de imóveis.
Em exceção à regra de restrição de transferência da responsabilidade, no parágrafo 2º do artigo 121, está previsto que a Administração responderá solidariamente pelos encargos previdenciários e subsidiariamente pelos encargos trabalhistas em caso de contratações de serviços contínuos, com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, desde que seja comprovada a falha na fiscalização do cumprimento das obrigações do contratado.
A título de esclarecimento, a norma prevê como serviços contínuos, com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, o modelo de execução contratual que preencha os seguintes requisitos:
• os empregados do contratado fiquem à disposição nas dependências do contratante para a prestação dos serviços;
• o contratado não compartilhe os recursos humanos e materiais disponíveis de uma contratação para execução simultânea de outros contratos;
• o contratado possibilite a fiscalização pelo contratante quanto à distribuição, controle e supervisão dos recursos humanos alocados aos seus contratos;
Em decorrência da possibilidade de responsabilização pelo pagamento dos encargos trabalhistas, previdenciários e fiscais e do dever de fiscalização, a nova Lei dispõe, no parágrafo 3º do artigo 121, que nas contratações de serviços contínuos, com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, a Administração, mediante disposição em edital ou em contrato, poderá:
a) Exigir caução, fiança bancária ou contratação de seguro-garantia com cobertura para verbas rescisórias inadimplidas;
b) Condicionar o pagamento à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas vencidas relativas ao contrato;
c) Efetuar o depósito de valores em conta vinculada;
d) Em caso de inadimplemento, efetuar diretamente o pagamento das verbas trabalhistas, que serão deduzidas do pagamento devido ao contratado;
e) Estabelecer que os valores destinados a férias, a décimo terceiro salário, a ausências legais e a verbas rescisórias dos empregados do contratado que participarem da execução dos serviços contratados serão pagos pelo contratante ao contratado somente na ocorrência do fato gerador.
É importante destacar que a nova norma prevê que os valores depositados na conta vinculada, como indicado no item “c”, são absolutamente impenhoráveis.
Outrossim, o recolhimento das contribuições previdenciárias deverá observar a disposição do artigo 31 da Lei nº 8.212/91, a qual determina que a empresa contratante de serviços executados, mediante cessão de mão de obra, deverá reter 11% do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher, em nome da empresa cedente da mão de obra, a importância retida.
Ainda sobre à responsabilidade de fiscalização da contratante, em casos de contratações serviços contínuos, com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, o artigo 50 prevê que o contratado deverá apresentar, quando solicitado pela Administração, sob pena de multa, a comprovação do cumprimento das obrigações trabalhistas e com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço em relação aos empregados diretamente envolvidos na execução do contrato, em especial quanto ao:
a) Registro de ponto;
b) Recibo de pagamento de salários, adicionais, horas extras, repouso semanal remunerado e décimo terceiro salário;
c) Comprovante de depósito do FGTS;
d) Recibo de concessão e pagamento de férias e do respectivo adicional;
e) Recibo de quitação de obrigações trabalhistas e previdenciárias dos empregados dispensados até a data da extinção do contrato;
f) Recibo de pagamento de vale-transporte e vale-alimentação, na forma prevista em norma coletiva.
Ademais, a Lei determina que as contratações públicas deverão submeter-se a práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos e de controle preventivo, inclusive mediante adoção de recursos de tecnologia da informação, e, além de estar subordinadas ao controle social.
Saliento que o dever de fiscalização se inicia desde a fase de habilitação para a licitação, pois nesta fase a Administração deve solicitar informações e documentos para apurar se o licitante possui capacidade jurídica, técnica, fiscal, social, trabalhistae econômico-financeira.
Mediante os esclarecimentos acima, constata-se que a nova norma trouxe relevantes inovações e, de maneira assertiva,abordou o tema de responsabilidade da Administração, considerando que a Lei nº 8.666/93, que também trata de licitações, não fixou responsabilidades relativas a inadimplementos trabalhistas, deixando tais obrigações apenas a cargo do contratado.
A Lei 8.666/93 prevê, em seu artigo 71,somente que“o contratado será responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato”.
Nota-se que tal previsão deixa margem para que a Administração usufrua da mão de obra do prestador de serviços sem que haja qualquer possibilidade de ônus, o que é inviável.
Por conta disso, o tema de responsabilidade da Administração Pública, em casos de terceirização, sempre gerou diversas discussões no âmbito trabalhista, pois não havia qualquer disposição legal que fixasse a obrigação.
Deste modo, após debates no Poder Judiciário, firmou-se o entendimento, o qual fora consolidado na Súmula nº 331, item V, do Tribunal Superior do Trabalho, de que os entes da Administração Pública respondem subsidiariamente pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas, se comprovada a conduta culposa e a falha na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviços.
Assim, ao estabelecer as obrigações pelos encargos trabalhistas e previdenciários na nova Lei, o Legislador agiu com paridade entre a Administração Pública e a Iniciativa Privada, pois a ausência de tal regra na Lei anterior resultava em tratamento vantajoso à Administração.
Landerson Darwinch Câncio da Costa