Praça Silvio Romero, 55, sala 47
Tatuapé - São Paulo - CEP 03323-000

(11) 2227-9515
atendimento@massicano.adv.br

DOS IMPACTOS DA LEI 14.010/20 – REGIME JURÍDICO EMERGENCIAL E TRANSITÓRIO (RJET) NAS RELAÇÕES JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO

Em meio às diversas medidas que foram geradas durante a pandemia, insta destacarmos que recentemente foi sancionada a Lei nº 14.010, de 10 de junho de 2020, em vigor desde 12 de junho de 2020, a qual dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório – RJET, em algumas relações jurídicas de direito privado.

É importante ressaltar que se trata de legislação de caráter transitório e emergencial com o fito de inserir pontuais alterações em diferentes normas do Código Civil, relações de consumo, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, Regime Concorrencial, dentre outras, visando assegurar as flexibilizações e até mesmo atenuações das consequências socioeconômicas refletidas pelo isolamento social, fechamento dos comércios e aumento do desemprego.

 O prazo de vigência está delimitado no artigo 1º, parágrafo único, ou seja, “considera-se 20 de março de 2020, data da publicação do Decreto Legislativo nº 6, como termo inicial dos eventos derivados da pandemia do coronavírus (Covid-19)”, sendo o termo final previsto para 30 de Outubro de 2020.

Para melhor entendimento, seguem algumas alterações consideráveis, com incidências nas normas específicas.

Em relação ao Código de Defesa do Consumidor, o direito de arrependimento pelas compras fora do estabelecimento comercial, seja através da internet, telefone ou aplicativos até então de 07 (sete) dias previsto no artigo 49 do CDC restou-se suspenso, conforme o artigo 8º: “Até 30 de outubro de 2020, fica suspensa a aplicação do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor na hipótese de entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e medicamentos”.

A suspensão do direito ao arrependimento, no entanto, é específica para a aquisição de produto de consumo imediato ou perecível, em decorrência do aumento exponencial das referidas vendas, de modo a assegurar temporariamente o afastamento da rejeição imotivada pelos consumidores. No entanto, deve ser considerado que, em caso de defeitos ou vícios nos produtos adquiridos devem ser resguardados os seus direitos de devolução do produto com o ressarcimento do valor pago ou a substituição por outro.

Nas relações jurídicas regidas pelo Código Civil, foram estabelecidas expressivas alterações em algumas áreas, quais sejam:

Condomínios residenciais  – As assembleias condominiais poderão ocorrer, em caráter emergencial, por meio virtual até 30 de outubro de 2020, nos termos do artigo 5º “poderá ser realizada por meios eletrônicos, independentemente de previsão nos atos constitutivos da pessoa jurídica.”, sendo assegurado ainda a manifestação dos participantes, com a devida identificação e direito ao voto, de modo que “produzirá todos os efeitos legais de uma assinatura presencial”, conforme o parágrafo único do referido artigo.

Síndicos – O artigo 12 preceitua acerca da prorrogação dos mandatos dos síndicos “vencidos a partir de 20 de março de 2020 ficam prorrogados até 30 de outubro de 2020”, em caso da impossibilidade da realização da assembleia. Ademais, sob pena de destituição do cargo, a prestação de contas tornou-se obrigatória,  visando coibir eventuais abusos em virtude da excepcionalidade desse período, conforme o artigo 13 da Lei do RJET, a qual já estava previsto no artigo 1.349 do Código Civil.

Para assegurar o direito de ingresso da ação, os efeitos da prescrição estão suspensos até 30 de Outubro de 2020 (art. 03º – RJET – § 1º),  a qual se trata de prazo específico conforme a matéria a ser abordada, o qual varia de 01 até 10 anos, nos termos dos artigos 205 e  206,  do Código Civil, à exemplo do prazo de 05 cinco anos para a pretensão de cobrança de dívidas líquidas .

A suspensão também se estende à decadênciapelo mesmo período (art. 03º – RJET – § 2º), que ora se refere à perda do exercício de determinado direito. Para melhor elucidar, poderemos citar o prazo decadencial do artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor, pelo qual há previsão de 30 ou 90 dias para reclamar de serviços ou produtos não duráveis e duráveis, respectivamente

Ademais, também estão suspensos, conforme o artigo 10 da norma, os prazos de aquisição para a propriedade imobiliária ou mobiliária “nas diversas espécies de usucapião”.

Em relação ao direito família, restou-se consignado no artigo 15 que que a “prisão civil por dívida alimentícia” deverá ser “cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações”, de modo que prevalecerá a referida penalidade, sendo alterada apenas a modalidade de prisão.

Já no que tange às sucessões, consta no artigo 16 que o prazo de 02 (dois) meses à contar do óbito estabelecido no artigo 611 do Código de Processo Civil para abertura de inventários e partilhas terão o termo inicial dilatado para 30 de outubro de 2020,  e ainda que o prazo de 12 (doze) meses para que seja ultimado “caso iniciado antes de 1º de fevereiro de 2020, ficará suspenso a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020”, conforme o parágrafo único.

A referida dilação de prazo em matéria de sucessão é de suma importância, eis que nessa época de pandemia a obtenção de certidões e documentos necessários ficam prejudicados.

  A suspensão também abrange as infrações em regime concorrencial, conforme o artigo 14, ora delimitando alterações na  Lei nº 12.529/11, especificamente no §3º do artigo 36, incisos XV (vedação à venda de mercadorias abaixo do preço) e o inciso XVII  “cessar parcial ou totalmente as atividades da empresa sem justa causa comprovada”, de modo que as empresas possam se adequar à crise sem que sejam penalizadas nas referidas modalidades.

E de igual modo, resta-se suspenso o inciso IV do art. 90 da referida lei, que ora preceitua acerca do ato de concentração de 02 ou mais empresas, com a ressalva no §2º acerca da possibilidade de análise posterior “do ato de concentração ou de apuração de infração à ordem econômica”, que não coadunam com a fase de pandemia.

Ainda é possível observar já nas disposições finais, que o artigo 20 postergou a vigência dos artigos 52, 53 e 54 da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais13.709/18 para 01 de agosto de 2021, visando afastar eventuais sanções administrativas aplicáveis pela AUTORIDADE NACIONAL DE PROTEÇÃO DE DADOS (ANPD) aos agentes responsáveis pelo tratamento de dados.

No contexto geral, a referida lei visa assegurar temporariamente e de maneira emergencial as suspensões de alguns atos incompatíveis com a crise atual, tanto que possui vigência provisória não implicando em revogação ou alteração de quaisquer dispositivos supramencionados. Todavia, se trata de norma omissa quanto às outras vultosas questões atinentes às obrigações, relações contratuais e outras não abrangidas, em se tratando de regime emergencial.